21 junho 2010

De quem é a BP afinal?

O governo britânico é tão sensível à questão que o primeiro-ministro David Cameron ficou 30 minutos ao telefone lembrando o presidente americano Barack Obama que a BP é uma corporação global que há muito deixou de se chamar "British Petroleum".

Tudo bem. Isso pode ser verdade. Mas, para milhões de não britânicos, essa pode parecer uma distinção sem sentido. Não só a BP está baseada em Londres como, por um século, seus presidentes foram todos britânicos. Com certeza, para qualquer pessoa informada sobre suas operações no Oriente Médio, na Ásia Central, na África e nas Américas, a BP é tão britânica quanto a cerveja morna.

As queixas de que a BP faz mistério sobre suas operações também não são novidades. Nos países onde ela atua, a empresa adora responder às críticas com evasivas. Essa não é a história toda, mas esse comportamento britânico está enraizado em seu DNA corporativo.

Eis uma breve história da companhia. Três britânicos presidiram o nascimento da BP, em 1909: um empresário aventureiro chamado William Knox D"Arcy, um jovem membro do Parlamento chamado Winston Churchill e o maior "maníaco por petróleo" da Marinha Real, o almirante Sir John Fisher.


"Se fosse para um único homem ganhar o título", segundo a história autorizada da BP, "D"Arcy deveria chegar à posteridade como o pai de toda a indústria petrolífera do Oriente Médio". É verdade. Depois de fazer fortuna na corrida do ouro na Austrália, D"Arcy apostou, em 1901, nos relatórios de que o sudoeste da Pérsia era rico em petróleo.

Por 20 mil libras em dinheiro, mais ações de igual valor, 650 libras de renda anual, propinas a notáveis e 16% dos lucros líquidos, os enviados de D"Arcy arrancaram do xá da Pérsia um contrato válido por 60 anos que cobria aproximadamente 1,2 milhão de quilômetros quadrados (quase duas vezes o tamanho do Texas).

Durante seis infrutíferos anos de exploração, D"Arcy e sua Anglo-Persian Oil Company (Apoc, na sigla em inglês) foram sustentados pelo almirante Fisher, que queria modernizar a Marinha Real, passando os navios do carvão para o petróleo, e por Churchill, que era na época o Primeiro Lorde do Almirantado, espécie de Ministro da Marinha.

Finalmente, em 1908, quando D"Arcy estava prestes a abandonar a exploração, um jorro irrompeu em Majid-i-Suleiman, planalto nos Montes Zagros. O campo de petróleo foi imediatamente cercado pelo regimento de lanceiros de Bengala, da Índia, como se estivesse em território britânico. Um exultante tenente A. T. Wilson telegrafou a seguinte mensagem em código para seus superiores: "Ver Salmo 104, versículo 15, terceira sentença (Que ele possa retirar o óleo da terra para a alegria de todos)."

Essa foi a primeira descoberta de petróleo comercialmente significativa no Oriente Médio. Atuando tanto pela companhia como pelo país, Wilson ajudou a firmar um acordo com tribos locais que permitiu que a Apoc construísse um oleoduto (o primeiro da região) ligando o campo de petróleo a refinarias em Abadan, a 220 quilômetros de distância. Assim, a companhia foi integrada à estratégia imperial, como ficou evidente no serviço posterior prestado por Wilson como procônsul em tempos de guerra no recém-nascido Iraque e, em seguida, como diretor administrativo da Apoc.

O petróleo persa era tão fundamental para a segurança britânica que, por insistência de Churchill, o Parlamento aprovou, em 1914, a aquisição de 51% das ações da Apoc. Meses depois, quando a Turquia otomana entrou na 1ª Guerra ao lado da Alemanha, forças anglo-indianas entraram no Golfo Pérsico com ordens urgentes de proteger os petroleiros, oleodutos, refinarias e campos de petróleo da empresa.

Quando a guerra acabou, lorde George Curzon, falando como chanceler, sustentou que os aliados navegaram para a vitória "sobre um mar de petróleo". Em 1920, ele pressionou por uma revisão da concessão ainda vigente para D"Arcy, procurando assegurar que todas as vitórias futuras fossem alimentadas pelo petróleo persa. Com modificações menores, Curzon prevaleceu - em parte porque um funcionário do Tesouro britânico era o principal negociador da Pérsia.

Durante três décadas, o petróleo envenenou as relações entre a Grã-Bretanha e o Irã (como a Pérsia se tornou oficialmente conhecida em uma tentativa de se reinventar). Os iranianos se queixavam de que a Anglo-Iranian Oil Company (Aioc, como a companhia também era conhecida) ocultava suas políticas de preços, sonegava royalties com truques contábeis, resistia a treinar iranianos para postos administrativos e mostrava-se indiferente com as preocupações ambientais (até hoje, o petróleo continua vazando em Shatt al-Arab, as águas do estuário que separam o Irã e o Iraque).

Nacionalização. "A administração da Anglo-Persian podia repetir incansavelmente que a companhia operava como entidade comercial, independente do governo", escreve o historiador de energia Daniel Yergin em The Prize ("O Prêmio"). "Mas nenhum persa acreditaria nessa afirmação." Por fim, após anos de uma disputa infrutífera, o Parlamento iraniano votou pela nacionalização da companhia, em 1951. Aos olhos britânicos, o vilão responsável era o premiê Mohamed Mossadegh, que ousou insistir que a Aioc aumentasse os royalties pagos ao Irã assim como faziam as companhias petrolíferas americanas.

Dias depois da ação, a Grã-Bretanha fechou a refinaria de Abadan, congelou ativos iranianos, impôs sanções econômicas e tentou convencer os EUA a revogarem a medida que era considerada nociva ao maior patrimônio da Grã-Bretanha. O presidente Harry Truman, porém, gostava de Mossadegh (eleito o homem do ano pela revista Time) e ignorou a pressão.

De certa forma, a companhia havia se tornado um símbolo da grandeza britânica, um lembrete de tempos passados, mesmo quando o supostamente anti-imperialista Partido Trabalhista, liderado por Clement Attlee, esteve no poder.

A visão foi articulada por um porta-voz do Ministério de Combustíveis e Energia: "Foram iniciativas empresariais, a habilidade e o esforço britânicos que descobriram petróleo na Pérsia, que extraíram o petróleo, que construíram a refinaria, que desenvolveram mercados para o petróleo persa em 30 ou 40 países, com portos, tanques de armazenamento, bombas, estradas, vagões-tanque e outras instalações de distribuição. Nenhuma dessas coisas poderia ter sido feita pelo governo persa."

Um ano depois, Churchill voltou ao governo e Dwight Eisenhower assumiu a presidência dos EUA. Os conservadores britânicos propuseram aos republicanos americanos a Operação Bota, um esquema secreto para depor Mossadegh. Dessa vez, as engrenagens funcionaram: em agosto de 1953, Kermit Roosevelt (neto de Theodore Roosevelt), da CIA, chegou a Teerã com uma montanha de dinheiro e, em poucos dias, comprou a mudança de regime.

Como recompensa, companhias de petróleo americanas tiveram, pela primeira vez, permissão para buscar concessões segundo um acordo negociado por Herbert Hoover Jr., filho do ex-presidente.

Nascimento. Em 1954, a Aioc renascia como British Petroleum. Não demorou para que seu alcance se estendesse do Mar do Norte ao Alasca. Como parte do programa de privatização de Margaret Thatcher, o governo vendeu suas ações da BP. Em 1998, a companhia fundiu-se com a Amoco (antiga Standard Oil of Indiana), abreviou seu nome para BP e tornou-se a maior corporação do mundo.

Mas até que ponto a BP é britânica? Quando se trata de vazamentos de petróleo, é claro que não é. Sua cultura corporativa continua tão transparente quanto as águas achocolatadas do Golfo do México. Como reportou David Carr, no New York Times, quando jornalistas em New Orleans buscavam respostas para questões de rotina, receberam um memorando da BP dizendo que a companhia "estava impedida de responder perguntas individuais pelas regras que regem a negociação de suas ações." Ou seja, a Britânia ainda governa essas ondas.

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